Negociada nos gabinetes, sem auscultar os principais intervenientes – os autarcas – e muito menos as populações que os elegeram, PS E PSD cozinharam à pressa, em plena quadra natalícia, para mais facilmente poder passar despercebida, uma nova lei eleitoral autárquica que vem alterar completamente o carácter da representavidade e pluralidade dos órgãos de poder local. E que terá sérias e graves consequências na vida e funcionamento futuro dos mesmos. 

Na verdade, aqueles dois partidos, que tanto no plano nacional como local fingem ser oposição um do outro, nas questões essenciais entendem-se as mil maravilhas. Foi mais uma vez o caso. Com o estafado argumento que era preciso aperfeiçoar a lei, tornar mais eficaz e transparente a acção dos eleitos autárquicos e claro aproximá-los dos eleitores, o que se vem agora estabelecer é precisamente o contrário. 

Para não ser fastidioso abordo só os aspectos essenciais. Primeiro: acaba a eleição directa para as Câmaras. Se este projecto se vier mesmo a concretizar e já nas eleições de Outubro do próximo ano, o Presidente da Câmara será o primeiro candidato da lista mais votada para a respectiva Assembleia Municipal. Depois, é a ele e só a ele que compete escolher, tanto no acto de instalação como em qualquer altura, de entre os membros das suas listas, a maioria dos restantes vereadores. Já que, seja qual for a votação, terá sempre a maioria absolutíssima garantida, mesmo que as restantes forças políticas consigam por exemplo em conjunto mais votos. Isto sim é respeitar a vontade popular… 

Assim se desvirtua completamente a concepção colegial e a representatividade plural dos Executivos Municipais. Passará a ser a vontade unipessoal do presidente a dominar toda a acção autárquica. Neste sistema ultra presidencialista tornar-se-á ainda mais difícil, como é bom de ver, todo e qualquer mecanismo de controlo e fiscalização e estarão portanto mais facilitados os jogos de influência, sobretudo do poder económico, e de corrupção.  

Que não deixarão de ser menos possíveis pelo tão apregoado reforço dos poderes das Assembleias Municipais. Todos sabemos que os órgãos deliberativos, por muita vontade e competência que tenham, não dispõem de tempo nem condições para exercer um eficiente acompanhamento dos actos correntes da gestão autárquica. Mesmo a possibilidade hipotética de derrube da Câmara, com a aprovação de uma moção de censura, por 3/5 dos membros da Assembleia Municipal, só seria possível num município do país (Lisboa) aplicando o resultado das últimas eleições. E, afinal, só serviria para introduzir novos focos de tensão e mesmo ingovernabilidade na vida destes órgãos. Além, claro, de passar a impedir a votação dos presidentes da Juntas de Freguesia de importantes instrumentos da actividade municipal, como são os planos e orçamentos, numa diferenciação de poderes inconcebível com os restantes membros dos órgãos deliberativos dos concelhos eleitos directamente.  

A lei em vigor tem provas dadas. Em mais de 30 anos de poder local, poucas vezes se teve que recorrer a eleições intercalares para os Municípios. Pelos vistos, não é então a eficiência nem a estabilidade da gestão que preocupa os legisladores e aqueles dois partidos. Sob a capa de um pretenso aperfeiçoamento do nosso poder autárquico – uma das mais importantes conquistas do 25 de Abril – o que se procura afinal com estas alterações é a institucionalização do poder absoluto e de uma extrema personalização na gestão autárquica, com o consequente empobrecimento da democracia.

Também neste plano, tal como para as legislativas, quer-se no fundo, por métodos artificiais, reduzir a pluralidade da representação política das autarquias a dois únicos Partidos, ao mais refinado estilo americano, e assim tentar calar as vozes e as forças mais consequentes que se lhes opõem. A aberração desta lei do PS e PSD é de tal monta, que está a gerar muitos incómodos no seu próprio seio e a compreensível oposição de inúmeros autarcas dos mais diversos quadrantes.       

Luís Quintino, membro da DORAV do P.C.P