Ontem, 18 de julho, a Coligação Democrática Unitária apresentou uma queixa ao Provedor da Justiça relativa à cobrança dos ramais de água ocorrida no município feirense. Abaixo a queixa apresenta por Antero de Oliveira Resende e Filipe Moreira.

 

 

 

A S. Exa.

Sr. Provedor de Justiça

Venerando Conselheiro

Dr. José de Faria Costa

Rua Pau de Bandeira, 9

1249-088 LISBOA

Fax: 213 961 243

 

Coligação Democrática Unitária “CDU” - de Santa Maria da Feira, pessoa colectiva com o NIPC 902093207, com sede na Rua João António de Andrade, nº4, 4520-232 FEIRA, Tel. 256 363 745, com o endereço eletrónico Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar., vem apresentar

 

QUEIXA ao Sr. Provedor de Justiça, contra

CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA MARIA DA FEIRA e ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE SANTA MARIA DA FEIRA, órgãos autárquicos do Município de Santa Maria da Feira, o que faz nos termos do artº 23º da Constituição da República Portuguesa e do artº 3º e 25º da Lei nº9/91 de 9 de Abril (na redação da Lei nº52-A/2005 de 10 de Outubro), pela aprovação de taxas municipais ilegais relativas à cobrança de ramais de ligação à rede de água e saneamento básico, o que faz com os seguintes fundamentos:

1.º

         Durante décadas os munícipes feirenses foram penalizados com a exiguidade de estruturas básicas fundamentais à sua qualidade de vida, tais como são as redes de água de consumo ao domicílio e de saneamento básico.

2.º

Os Serviços Municipalizados Feirenses geriam um sistema incipiente que mal cobria a sede do concelho e a freguesia de Santa Maria de Lamas, exigindo-se aos munícipes que pediam um licenciamento de habitação própria, ou para venda, fora dos limites das áreas cobertas, a construção de um poço ou furo de água de consumo e uma fossa séptica para reservatório e depuração das águas residuais.

3.º

A construção das infraestruturas referidas, em que se despendiam verbas consideráveis, eram devidamente vistoriadas e constituíam condição para obtenção da licença de habitabilidade, indispensável para muitos terem acesso à última tranche dos pedidos de financiamento bancário para construção.

4.º

Já em 1976, por altura das primeiras eleições autárquicas livres, todas as forças políticas colocaram, como prioridade máxima, a cobertura de água e saneamento do concelho, o que aconteceu sempre que se realizavam eleições, sem que tal se concretizasse, apesar das condições ambientais cada vez mais degradadas, dada a elevadíssima densidade populacional e a coexistência, no mesmo espaço físico, de habitações e indústrias poluentes.

5.º

Praticamente no início do terceiro milénio a Câmara Municipal, sem ouvir os munícipes, optou pela concessão a privados dos sistemas de água e saneamento básico, deixando assim os munícipes de ser utentes de um serviço público que, como tal, não visava a obtenção de lucro, para passarem a ser clientes de uma grande empresa privada, o que, desde logo se tornou evidente nos elevados aumentos das taxas cobradas, no fornecimento de água e esgotos na exígua rede existente, bem como nos elevados custos dos ramais de ligação da água e do saneamento.

6.º

A situação poderia resumir-se, do seguinte modo: quem já tinha pago pelo seu sistema individual de poço/furo e fossa séptica teria agora de voltar a pagar os ditos ramais de ligação à rede que entretanto foi sendo construida; quem não o fazia, desde que tivesse o sistema disponível junto do seu domicílio, era obrigado a pagar uma taxa de não ligação, ou seja 2,5 euros por cada um dos sistemas não ligados.

7.º

No dia 26 de junho de 2015, a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e a sua concessionária a INDAQUA FEIRA, celebraram o “Quarto Aditamento ao Contrato de Concessão”, no qual se extinguia a cobrança de ramais de ligação ao sistema de água e saneamento em conformidade com o disposto na legislação aplicável. De igual modo decidiu compensar a sua concessionária, das perdas causadas pela sua decisão, o que causa perplexidade aos Feirenses, uma vez que foram investidos largas dezenas de milhões de euros de verbas comunitárias a fundo perdido, na construção de todos os sistemas de água e saneamento básico.

8.º

Apesar da recomendação IRAR n.º 01/2009 ser perentória no que se refere à não obrigatoriedade de pagamento dos ramais por parte dos utentes dos serviços de água e saneamento públicos, a concessionária INDAQUA Feira fez a cobrança dos mesmos até ao mês de setembro de 2016, sempre sustentada nesta atitude, por decisões da Câmara e Assembleia Municipal de Santa Maria da Feira.

9.º

Os munícipes feirenses foram sendo compelidos a pagar valores superiores a 1400€ pelos ramais de ligação mesmo quando inferiores a 20 metros. Essas cobranças continuaram a acontecer mesmo em datas bem posteriores ao parecer do IRAR. Depois da decisão camarária de acabar com a cobrança de ramais, a concessionária continuou a pressionar os utentes que tinham feito uma pré-inscrição de ligação, através do envio de cartas atemorizadoras.

10.º

Apesar de existirem um pouco por todo o país decisões de tribunais, considerando ilegais as cobranças de ramal, a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira deliberou que a referida compensação à INDÁQUA, iria processar-se através de um aumento nas faturas dos utentes desta concessionária, que cobrisse aquela quebra de receita.

11.º

Desta forma, existem no município de Santa Maria da Feira cidadãos que, já tendo pago por duas vezes o seu sistema de água e saneamento, vão ter de o pagar uma vez mais, através do aumento do valor percentual da fatura, para não defraudar os lucros expectados pela concessionária.  Do mesmo modo, utentes residentes na mesma freguesia ou até na mesma rua foram alvo de tratamentos dissemelhantes conforme o dia em que assinaram o contrato com a concessionária, mesmo sendo servidos pelo mesmo sistema.

12.º

         Maria Lúcia Amaral frisa que, “para os cidadãos, a atuação dos poderes públicos deve ser sempre uma atuação ante visível, calculável e mensurável”, pelo que “num Estado de Direito, as pessoas devem poder saber com o que contam”.

       13.º

Quebrou-se assim o princípio da confiança nos órgãos de administração pública e como bem nota Gomes Canotilho, “o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida”, daí a importância dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.

14.º

Quebrou-se igualmente o princípio da justiça no entanto, e como bem evoca Freitas do Amaral, “um outro princípio fundamental que vincula a atividade da Administração é o princípio da justiça”.

O princípio da justiça materializa-se nos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé.

15.º

         Tal postura contraria o Princípio da Igualdade (artigo 5º, nº 1 do Código Procedimento Administrativo e artigo 13º da Constituição da República Portuguesa) segundo o qual a Administração Pública não pode privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito, ou isentar de qualquer dever, alguém por razões de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.

          16.º

         Realce-se, por último, que não existe uma proibição geral de retroatividade das normas, uma vez que como refere Maria Lúcia Amaral “a riqueza e a imprevisibilidade da vida podem muitas vezes obrigar o legislador a atribuir efeitos retroativos às suas decisões, não só porque tal corresponde, no caso, à melhor forma de prossecução do interesse público, mas também porque tal corresponde, no caso, à melhor forma de proteger os interesses concretos das pessoas”.

Por isso, “a retroatividade das normas só é proibida pela Constituição (fora, evidentemente, dos casos previstos nos artigos 18.º n.º 3, 29.º n.º 1, 103.º n.º 3) se se provar que, nos casos concretos em que ocorre, ela implica uma violação do princípio da confiança legítima que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica”.

 

NESTES TERMOS, com a presente Queixa, se pede a Vª Ex.ª Sr. Provedor de Justiça que, dentro das competências e poderes que a lei lhe confere, dirija, segundo o douto entendimento de Vª Ex.ª, as devidas recomendações aos órgãos autárquicos do Município de Santa Maria da Feira e eventualmente à Inspeção Geral das Autarquias Locais, para que esta situação seja corrigida e todos os Feirenses sejam alvo do tratamento mais favorável e igual.

 

P’la Coligação Democrática Unitária,

 

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Antero Resende

 

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Filipe Moreira

 

 

Santa Maria da Feira, 18 de julho de 2017