Pedro Almeida

Com a proximidade das eleições autárquicas, torna-se pertinente um olhar mais atento ao que propõem aos feirenses as duas  candidaturas que parecem querer reclamar para si o protagonismo da cena eleitoral. Pelo Partido Social Democrata, Alfredo Henriques candidata-se a mais um mandato com as funções que vem exercendo, dissolvendo os rumores da sua não adesão à próxima corrida à Câmara por razões de saúde. Persiste na mesma equipa, deixando muito pouco espaço à renovação das caras à frente de cada pelouro. Pelo Partido Socialista, Alcides Branco, culminando um longo período de campanha antes da campanha, onde aparecia em todos os eventos públicos numa maratona óbvia por espaço mediático nos meios de comunicação locais (insistência que lhe valeu o epíteto mordaz de “Emplastro” no blogue não oficial de referência do Concelho), apresenta-se agora como candidato (in-)dependente pelo PS.

 

Se a figura de Alfredo Henriques, na linha que lhe é característica, opta por fazer um uso moderado da sua intervenção individualizada no espaço público, instrumentalizando, como também vem sendo hábito, as sessões da Assembleia Municipal para desdobrar a apologia do seu mandato em sucessivas tentativas de demonstração de uma pretensa lisura inquestionável de todas as medidas tomadas, já Alcides Branco não poupa a sua imagem pessoal, impingida aos munícipes através de pagelas no meio do jornal, artigos de campanha disfarçados de notas de imprensa (recorde-se a instrumentalização que fez (ou tentou fazer...) do caso 'Cinca em Estarreja', em particular no jornal 'Correio da Feira'), uma colocação massiva de outdoors, não falando já da presença tácita em todos os eventos sociais do Concelho, nunca, porém, expondo mais do que os dois ou três slogans seleccionados para toda a campanha – é de notar que esta divulgação intensa da imagem de Alcides Branco é acompanhada por uma mudez ensurdecedora: trata-se de uma figura muda omnipresente, cujo conteúdo político (seriamente entendido) parece não ir além das frases de campanha inócuas e inconsequentes que lemos nos outdoors. E podemos inferir já uma das características basilares de ambas as campanhas: um assustador vazio de intervenção da parte de ambos os candidatos, isto é, a ausência de um espaço de debate de ideias que indicasse a fibra política de que são feitos Alfredo Henriques e Alcides Branco. Tudo se passa num teatro de sombras chinesas, com um figurino perfeitamente estereotipado do ponto de vista formal, mas cujo conteúdo ideológico das candidaturas mergulha em silêncio e mutismo: é o vazio de ideias, de projectos, que, de modos diferentes, caracteriza a candidatura de Alfredo Henriques e Alcides Branco.

 

Se Alfredo Henriques se escuda na continuidade para disfarçar a mesmice que perpassa a sua candidatura, a total ausência de uma força dinâmica para o Concelho, a redução da política local à gestão administrativa e de vistas curtas que ao longo de décadas vem praticando, Alcides Branco, por detrás de uma campanha superficialmente agressiva, eivada de irritantes e bacocos pontos de exclamação, dá corpo à figura oca de um candidato sem um projecto estruturante, assente num suporte mediático que apela à sordidez que caracteriza a ala em ascensão no Partido Socialista, a de uma retórica balofa sem horizontes nem propostas fora do discurso “politicóide” : “Chega de Conversa!”, “Para mim promessas são contratos”, “Este Presidente está há 23 anos no poder. Não acha que é muito tempo?”... Desfile de slogans desprovidos de conteúdo e de peso que, querendo afectar o imobilismo reinante, não chega a passar de uma proposta de mudar tudo para deixar tudo na mesma. A sua candidatura, com um timbre empresarial assumido (ouviu-se em declarações à rádio: “O Sr. Alcides é um empresário, não é um político, quer gerir a Câmara como gere as suas empresas”), acaba por cair no ridículo de uma política sem política (como o chocolate sem açúcar, a cerveja sem álcool, o bronzeado sem ir à praia... Sim, vivemos tempos em que se pretende retirar aos conceitos o seu núcleo activo: um Presidente da Câmara que não é político, é empresário...), despojada da autenticidade que deveria presidir uma batalha política desta natureza, convergindo, afinal, para o mesmo esgotamento que reveste a candidatura de Alfredo Henriques: duas candidaturas cansadas, que não oferecem ao eleitor uma proposta de futuro, um rumo concreto para o Concelho, mas apenas, timidamente e a medo, uma gestão burocrática, seguidista, uma espécie de “manutenção do Concelho”.

 

Os apoiantes de Alfredo Henriques, confirmando a estratégia de marketing dos seus cartazes, limitam a sua argumentação à menção das décadas de “desenvolvimento do Concelho” que o candidato social-democrata possibilitou. O desfasamento da realidade patente nesta afirmação é flagrante. Quem conheça o Concelho, facilmente reconhecerá que este não passa de um conjunto de vilas dispersas, mais ou menos isoladas, genericamente ruralizadas, carentes de infraestruturas de apoio às populações, sem uma rede de transportes públicos eficaz e abrangente, sem políticas de fixação e captação de jovens, sem projectos culturais a médio e longo prazo, com claros sinais de incúria da identidade etnográfica, onde os únicos agentes de promoção dos tesouros culturais locais são as associações, estas, na sua maioria, subdesenvolvidas por falta de apoios, sem fundos de desenvolvimento, sem sedes ou com instalações desajustadas às necessidades, impelidas a aderirem à imberbe campanha do porco no espeto na Viagem Medieval para se subsidiarem... Não mencionarei já a questão do saneamento básico, a alienação das águas públicas vendidas agora ao consumidor a preço de petróleo, a inexistente política social, o desprezo por medidas de incremento da qualidade de trabalho e fomento à criação de postos de trabalho com estabilidade e dignidade, os braços cruzados da Câmara Municipal face à vaga de despedimentos no nosso Concelho, a revelar da forma mais trágica que a Feira não é um “Concelho mais à frente”... a não ser na delapidação dos direitos de quem trabalha, em alguns casos, desde os 13 anos numa mesma máquina de tornear, de moldar, numa caldeira ou a gaspear.

 

Finalmente, só podemos admitir uma conclusão: Alfredo Henriques e Alcides Branco não são, em verdade, duas opções distintas alternativas, mas as duas faces da mesmíssima moeda. Para dizer as coisas francamente, se Alfredo Henriques e Alcides Branco são, aos olhos dos feirenses, as duas alternativas possíveis, então o futuro do Concelho está perdido. A “outra história”, a que não figura nos outdoors dos candidatos, é a do imobilismo, a incapacidade de estruturação de um projecto sólido para Santa Maria da Feira, uma acção efectiva que retire o Concelho do atraso a que anos de políticas amedrontadas o votaram: somos hoje um Concelho mais pobre do que o que poderíamos ser, se as políticas tivessem sido outras. Como explicar que a zona do país com maior rendimento per capita seja também o Concelho com mais elevados índices de despedimentos? E isto preocupa Alfredo Henriques ou Alcides Branco? Se sim, nada o indica. Ambos seguem adiante com a campanha provinciana do candidato sem ideologia, como se a carência de uma matriz de fundo e de um projecto abrangente fosse um trunfo na mão destes jogadores de uma partida que se quer privada. O problema é que esse mesmo fechamento das candidaturas de Alfredo Henriques e Alcides Branco numa neutralidade política partilhada conduz inequivocamente ao reconhecimento público da afinidade essencial e profunda entre os candidatos, que inviabiliza a priori qualquer tentativa de encenação de um duelo político: ambas as candidaturas, do social-democrata e do socialista feirenses, decorrem da nulidade de uma vontade transformadora, ambas assumem como princípio de base a necessidade de não mudar nada: Alfredo Henriques apoiando-se na mesmice do seu trabalho tecnocrático-administrativo de gestão, e Alcides Branco propondo uma administração empresarial sem conteúdo para Santa Maria da Feira. Se dúvidas restarem, são já os próprios candidatos que se encarregam de o demonstrar: hoje, noite de 11 de Agosto, as páginas online de Alcides e Alfredo espelham bem a riqueza de conteúdos das respectivas candidaturas. Porque, meus amigos, quando se quer fazer bolos sem gemas, dá nisto.

Pedro Almeida