São sempre louváveis as iniciativas de associações que vivem da militância dos seus voluntários, em prol de causas sociais, neste caso concreto, em prol da ajuda directa a famílias carenciadas.

Face à falta de acção do Estado nesta matéria, e particularmente com os vários PEC’s do Governo do PS, quantas vezes não são os cidadãos que se unem em torno de uma causa e, dando horas da sua vida, dedicam parte dela à ajuda e assistência a quem nada tem.

Algumas centenas marcharam contra a pobreza no nosso Município, ajudando como podem, num acto simbólico de protesto ou num passo de solidariedade.

Mas é preciso dar corpo e elevar essa ajuda a um outro nível. Ninguém é pobre ou fica pobre simplesmente porque sim. Ao contrário do que muitos pretendem fazer crer que “as pessoas não querem trabalhar”. Recuso-me acreditar em tal situação. Ninguém “quer” viver com 180 euros por mês. Na verdade, nem sei como consegue. E daí a solidariedade dos feirenses, porque sentem que têm que fazer alguma coisa por quem simplesmente não encontra alternativa. Como diz o nosso escritor Gonçalo M. Tavares “damos-te emprego, mas precisamos que cortes a cabeça. Ele tinha filhos. Aceitou”.

Mas é preciso apontar o dedo. Porque a pobreza não nasce do nada, não cai do céu. Resulta de opções governativas e medidas concretas. Alguns exemplos: as cartas que muitos feirenses estarão a receber para fazer a “prova de recursos” se estão a receber abono de família, subsídio social de desemprego, rendimento social de inserção, etc… Para quem tem o abono, a grande maioria vai perdê-lo, com o congelamento do 4º e 5º escalões e com a revogação das medidas (que talvez se tenha gasto mais na propaganda do que na execução das medidas) da majoração do abono em Setembro (que, curiosamente, ou não, apenas caiu nas contas bancárias no mês das eleições), a revogação da majoração de 25% nos escalões mais baixos, e a diminuição do valor para mais de um milhão e duzentas mil crianças.

Quanto ao subsídio social de desemprego, muitos devem ser os feirenses que nem isso recebem porque foi suspenso para “reavaliação”. Quanto ao rendimento social de inserção, além do corte de 20%, cortaram a majoração às grávidas, às pessoas com deficiência, aos idosos em situação de dependência. A quem foram buscar afinal a receita? Aos ricos? Aos bancos? Aos lucros?

Não. Àqueles por quem muitos marcharam. Aos pobres.

E agora, aos novos pobres. Famílias que viviam sem grandes dificuldades que vão ver o seu salário baixar, a alimentação a passar para 23% (os tão falados leites chocolatados e óleos alimentares, por exemplo). É frequente ouvirmos: “já não compro carne e ando a juntar trocos para o bacalhau no Natal”. “Não posso comprar medicamentos porque são o dobro.” Já chegámos a isto.

E não, a crise não tocou a todos. O parque automóvel do Estado aumenta, gastam-se milhões de euros com blindados e segurança para a Cimeira da Nato (e o que ganhamos nós???), aumentam-se as verbas para “despesas de representação” do Governo e estes podem progredir no salário. A crise não tocou nos bancos, nem nos offshores.

E por cá, tocou-nos a todos. Até à autarquia, que recebe muito menos dinheiro, ao mesmo tempo que tem cada vez mais responsabilidades: acção social, gestão do parque escolar, acessibilidades, e, contudo, não podem contratar pessoal.

E estamos todos a fazer contas à vida. Em que é que podemos cortar para vivermos com alguma dignidade.

Marchemos contra a pobreza. Mas elevemos a marcha a um outro patamar. O voto, a luta, a greve, as marchas, as manifestações são armas fundamentais.

 Há quem preferisse demitir o povo e eleger um outro. Mas temos um povo trabalhador, lutador, que merece uma vida melhor. Passemos pois à outra fase. Da marcha, à luta, ao voto. Contra a pobreza, marchar, lutar, votar.

Lúcia Gomes
Membro da Comissão Concelhia do PCP de Santa Maria da Feira