A sociedade dita ocidental vive hoje uma crise sem precedentes. Em todos os planos, como é bom de ver: político, económico e cultural. As classes dominantes, os seus dirigentes e interesses que representam e defendem no exercício do poder, procuram por todos os meios retirar direitos, aumentar a exploração e a precariedade para fazer crescer ainda mais os seus lucros e privilégios.

É precisamente nesse contexto que se enquadram as medidas em catadupa das troikas, de lá e de cá, que não só agravam a situação do país e da maioria da população como procuram fazê-lo regredir muitos decénios social e economicamente.

E claro, para que tais medidas sejam mais facilmente aceites ou toleradas pelo pagode nada melhor do que uma verdadeira campanha de marketing – estilo lavagem ao cérebro puro e duro.

A força e amplitude desta campanha estão hoje patentes nos grandes meios de comunicação social. Todos em perfeita articulação e sintonia. No espaço e no tempo. Não podia ser de outro modo.

Mas vamos a exemplos concretos. Numa das revistas de domingo de um jornal dito de referência, a sua directora executiva, onde destila, aliás, semanalmente o seu ódio aos trabalhadores e a quem os representa, e a desenvolvida reportagem ali contida, advogam com a maior desfaçatez e requinte e como saída para os males do país o trabalho escravo, sem direitos e a qualquer preço. A solução seria, até para diminuir o desemprego, como nos casos ali relatados, aceitar qualquer “biscate”. Independentemente da formação adquirida, do curso superior, fosse qual fosse - economia, psicologia, direito, etc., porque não fazer umas horas num qualquer call center, a lavar pratos ou numa caixa de supermercado, acumulado ou não, tipo formiguinha? E para caracterizar e enaltecer melhor esta salvadora pluriactividade dos tempos modernos nada melhor do que estampar na capa o célebre canivete suíço – o tal das múltiplas funções: tesoura, alicate, corta-unhas etc. – e assim aconselhar as novas gerações a ser também “ pau para toda a obra “. Chegam mesmo ao ponto de apontar, como referência e exemplo para nos livrar da crise, os emigrantes de outros tempos que foram obrigados a procurar lá fora aquilo que o país e o regime fascista lhes negava - trabalho e condições de sobrevivência.

Andámos anos a fio a ouvir que a grande aposta para o progresso de Portugal era a sociedade do conhecimento, a formação e a qualificação dos portugueses. E agora afinal, só para salvar a economia, para ser mais rigoroso o interesse de alguns, defende-se com todas as letras, o trabalho outra vez de sol a sol, mal pago e sem direitos num regresso ao passado que não podemos permitir e que representaria para todos nós um gravíssimo recuo civilizacional.


Luís Quintino. Membro da DORAV do PCP.