Foi com espanto, mas não surpresa, que li as declarações da dirigente sindical, Fernanda Moreira, ao Terras da Feira, sobre o encerramento das fábricas de calçado e a existência de salários em atraso em várias empresas no concelho.

Quando falamos na «nossa» Feira, frequentemente nos associam aos sapatos. Quase como se calçássemos o nosso país. Motivo de orgulho nas nossas mulheres e homens, ao lado de quem cresci, a ver os moldes, as gáspias, nas fábricas ali ao lado onde trabalhavam 3 ou 4 e o cheiro a cola era intenso a par com o ruído das máquinas, ou à porta onde saíam mais de 1000 trabalhadoras e trabalhadores.Ao lado deles marchei em luta pela defesa dos postos de trabalho. Ao lado delas passei algumas noites em que as admirava pela força que demonstravam à porta da multinacional enquanto impediam que o património saísse da sua, sim, da sua fábrica.

Vi-os quando reclamavam os salários em atraso. Via-as quando agarraram uma faixa e vieram a Lisboa dizer ao Governo que ainda são elas quem mais manda. Mas eu, não sou dirigente sindical. Nunca trabalhei numa fábrica de sapatos. Reconheci muitos rostos da minha infância quando distribuía documentos à porta das fábricas. Ouvi muitas mulheres que diziam não ter como sobreviver sem nunca terem parado de trabalhar.

Não posso deixar de sentir repulsa e indignação, quando uma dirigente sindical defende as empresas ao mesmo tempo que os trabalhadores estão na rua a exigir o que lhes é devido. A dizer que, coitados dos empresários, não pagam porque não podem. Até mesmo a valorizar a Ecco que até está a ir buscar os trabalhadores que despediu (?????????????). Que tudo vai bem no setor do calçado, que os trabalhadores têm que entender que as empresas «por causa da mudança de coleções, estão com dificuldades». Para esta dirigente, o caminho é baixar os braços, pedir ajuda à Câmara, rescindir os contratos e enfrentar o mais do que provável desemprego para o resto dos dias. Virar a cara à luta e a uma vida inteira de trabalho.

Pensássemos todos como esta senhora, nem existiria do direito do trabalho, esse, que foi forjado na luta de muitas pessoas que deram a própria vida para que hoje eu pudesse trabalhar 8 horas por dia. Que onde ofereciam a sua força de trabalho para poderem comer, nasceu a greve (nome do local onde se concentravam os trabalhadores). Na luta que levou à consagração de um salário mínimo nacional, ao direito de associação, de negociarem coletivamente os seus direitos, de serem protegidos pela lei como parte contratual mais fraca que são.

 Mas não, esta senhora diz que entre um trabalhador, com contrato estável e uma vida de trabalho a criar riqueza ao seu patrão e entre uma empresa que «à boleia» da crise, fecha as portas para depois ir buscar esses trabalhadores, pagando-lhes menos e com contratos precários, que as vítimas são as empresas e o trabalhador mais tem que estender a mão em vez de a erguer e lutar em defesa daquilo que é seu de direito.

É lamentável, não é de surpreender, contudo. Eu, que continuarei sempre do mesmo lado – de quem trabalha – apelo a que nunca desistam, que participem na Greve Geral de 22 de Março, e que jamais, jamais permitam que a sua vida e a sua dignidade tenham um preço.

  Lúcia Gomes, Advogada, Eleita da CDU na Assembleia Municipal