A Lei 22/2012, que aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, constitui, como foi desde o primeiro momento denunciado pela CDU, o mais violento ataque ao poder democrático local da nossa Democracia. Esta lei, imposta pelo ministro Miguel Relvas à revelia de autarcas, eleitos e populações, destina-se a colocar em marcha um plano de destruição de centenas de freguesias em todo o território nacional, sob o falso pretexto da “racionalização”, entretanto já desconstruído e afastado – as freguesias, unidade indispensável e insubstituível da participação democrática das populações na vida política do país, representam uma ínfima parcela do Orçamento de Estado, sem termo de comparação com as mais valias que representam na consolidação de uma política de proximidade.

A CDU assumiu inteira responsabilidade pela sua oposição clara, inequívoca e intransigente a este lei que considera injusta em toda a linha.

Ao abrigo de uma possibilidade prevista nesta Lei 22/2012, e na sequência de uma deliberação da Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares, o Tribunal Constitucional aprovou, por maioria, a realização de um referendo local de carácter não vinculativo sobre a possível integração desta freguesia no município de S. João da Madeira. O resultado do referendo, realizado a 16 de Setembro do ano corrente, não deixa margem para dúvidas: 81% dos votos validamente expressos manifestam a vontade da população milheiroense de transferência para o município vizinho.

Respeitamos a vontade da população. Reconhecemos que houve uma clara maioria a pronunciar-se favoravelmente à integração em S. João da Madeira. Não somos indiferentes a esse resultado (ao contrário, segundo parece, do executivo PSD da Câmara da Feira), e extraímos conclusões políticas deste expressivo resultado: tal como a população de muitas outras freguesias, a população de Milheirós de Poiares acusa e denuncia assim a orfandade de que é vítima, com as políticas erradas do executivo PSD – desinvestimento nas condições essenciais à garantia de qualidade de vida, planeamento urbanístico inexistente ou deficiente, integração do território por concretizar, insuficiência de infraestruturas, e, mais recentemente, a manifestação de um inqualificável menosprezo da identidade das freguesias, com a elaboração de um “Estudo Prévio” prevendo a eliminação de um largo conjunto de freguesias do município.

Assim sendo, e em coerência com a linha seguida até aqui, temos de reconhecer que se desejaria que esta justa e compreensível ambição da população de Milheirós surgisse em melhor altura, numa oportunidade que não se encontrasse manchada pela extinção de centenas de freguesias pelo país (às quais não foi dado expressarem-se sobre o seu desaparecimento).

Desejaríamos que este processo pudesse tomar corpo fora de um processo aberrante de destruição de um dos pilares da democracia – o poder local. Desejaríamos que os eleitos de Milheirós de Poiares não fossem obrigados a evocar, para a realização da vontade da população, a mesma lei que ameaça extinguir a sua freguesia, obrigando-se assim a incorrer na contradição de defender por um efeito desejado aquilo que, em consciência, repudiam pela intenção explícita e declarada – a “lei Relvas”.

Se, por um lado, não temos, considerados estes factores, condições para nos associarmos a um efeito que decorre de uma lei injusta e autoritária, por outro, não temos o direito de cortar as ambições da população. Não podendo ser coniventes com qualquer sucedâneo da Lei 22/2012, só nos resta, em sede de Assembleia Municipal, abstermo-nos relativamente ao pronunciamento da Assembleia previsto por esta lei (notando que, em todas as demais votações associadas a esta lei votámos contra, o que é reforçado pelo abandono da CDU da Comissão de Acompanhamento do processo de extinção de freguesias).

Não deixaremos, por tudo isto, de nos bater pela qualidade de vida das populações, no quadro da luta por uma democracia avançada, capaz de consagrar o direito a uma vida digna e com direitos, pelo poder local democrático, e pelo desenvolvimento das condições de vida das populações.