Ferreira Soares foi daqueles homens que vivem guiados pelos seus ideais, que optam pela justiça em detrimento, muitas vezes, do seu próprio bem-estar económico e até físico. A verdade é que este homem, médico de formação e filho de juiz, tinha as condições reunidas para ter uma vida confortável, mesmo com o regime salazarista, não fosse um individuo de carácter e de valores, inconformado com a injustiça que o tornariam num exemplo para as gerações seguintes.

Sobre esta personagem histórica do concelho e da região nenhuma descrição definiria melhor o seu perfil do que as palavras de Manuela Silva em 2009:

Ferreira Soares, a sua vida, a sua obra, o seu exemplo representam um património inestimável do partido comunista português, que ao longo dos 48 anos do fascismo resistiu e organizou a resistência (...) Ferreira Soares ajudou a escrever não só uma das páginas heroicas da história do PCP, mas também uma das páginas heroicas da história de Nogueira da Regedoura, do concelho de Stª Mª da Feira, e do próprio país (…) Ferreira Soares, o “Dr. Prata”, o profissional abnegado, o homem de letras, o humanista tomou, desde muito jovem, uma opção de vida que determinou a sua morte, era militante e foi dirigente do PCP, por isso teve de viver em semiclandestinidade, por isso foi apoiado pelo povo da sua terra que o protegia das incursões da polícia fascista, por isso foi assassinado.”


Este herói da resistência antifascista seria assassinado pela PVDE (posteriormente PIDE e a partir de 1969, DGS) em 1942 com 39 anos. Sobre o seu assassinato pode ler-se no jornal “Avante!” nº 14 da 1ª quinzena de Agosto de 1942:

O conhecido médico de Espinho, Dr. António Ferreira Soares, filho do juiz Dr. Soares, militante do PCP não escondia o seu ódio pela política traidora do governo de Salazar. Tanto bastou para que estes, servindo-se de uma mulher, lhe armassem uma cilada no seu consultório, na residência familiar deste nosso camarada. Seis polícias entraram em seguida à falsa doente e alvejaram a tiros de pistola-metralhadora a António Ferreira Soares. Depois levaram-no ferido e inanimado para o automóvel, e como se mexesse esfacelaram-lhe as pernas de novas rajadas.

Na casa de saúde de Espinho, onde chegou já morto, foram encontradas no corpo 14 balas! Defronte à casa de saúde juntaram-se centenas de pessoas protestando contra mais este crime do salazarismo.

Apesar das ameaças da polícia o funeral deste nosso militante fez juntar alguns milhares de pessoas que assim silenciosamente manifestaram a sua repulsa pelos malsins do fascismo e mais este assassinato legal do governo de Salazar.

 

Importa salientar, para aqueles que continuam a afirmar que a polícia política não matava, o caso “Humberto Delgado”, a torturas mortais nas prisões e ainda as incursões em África que esta “confraria” sediada na altura na Rua António Maria Cardoso no Chiado realizou de 1945 a 1975.

Ainda relativamente ao seu assassinato, refira-se que a mulher mencionada no texto do jornal “Avante!” mais não era do que um agente da PVDE disfarçado de grávida e que se fazia acompanhar do suposto companheiro.

Este médico-comunista viveu refugiado em Nogueira da Regedoura de 1936 até à sua morte assistida in loco pela sua irmã que escapou por pouco. A vivência junto das gentes desta terra valeu-lhe algumas alcunhas, sendo uma, e talvez a mais célebre, a de “médico dos pobres” dado o seu altruísmo, pois foram muitos e muitos os pacientes que examinou e prescreveu sem se fazer remunerar, para além de oferecer ou custear os medicamentos. Nesse mesmo ano, em setembro, redigira uma carta a Câmara Reys onde aponta o rumo da sua vida: “Rumei à esquerda…para mais perto do possível convívio e organização das massas populares”.

Para além das alcunhas fraternas, com a sua morte, a sua história passou a estar envolta em algumas deturpações e até alguns acontecimentos caricatos mais ou menos verdadeiros como a história supostamente ocorrida na barbearia.

Mais recentemente, no ano de 2009, a sua hombridade viria a ser reconhecida por todas as forças políticas com assento na Assembleia Municipal, tendo sido aprovada uma moção apresentada pela CDU cujo objetivo foi prestar homenagem a este comunista que integrou o Comité Regional do Douro do PCP.

Os comunistas não deixam esquecer Ferreira Soares porque este representa os valores que devem estar presentes na política, o ideal de uma vida melhor para todos, a igualdade, a incorruptibilidade. Se os governantes de hoje tivessem mais desta fibra não seriam constantes os casos mediáticos que surgem nos órgãos de comunicação social e teríamos certamente um país melhor.

Tombou o homem, mas que não tombe o seu ideal.

 

Filipe Moreira

Eleito da CDU na Assembleia Municipal