Exmas. Senhoras e Senhores

Chegados a Dezembro, é altura de olharmos o ano que agora termina e planear um futuro que é já amanhã.

2006 foi palco de momentos decisivos para a vida do nosso Município, para a vida de todo o país. Nesta Assembleia, decidiram-se questões que terão incidências na vida dos feirenses já a partir de Janeiro.

E 2007 bate agora à porta com novas taxas (ou que outros nomes faustosos lhes queiram chamar) no sapatinho. 

É hoje que, com olhos postos no passado e no presente, diremos de nossa justiça quanto às Grandes Opções do futuro. Vejamos então o que nos reservou o embrulho entregue ainda antes da noite de Natal.

O senhor das barbas, e não falo do Pai Natal, juntamente com a sua equipa, optou pela eleição de prioridades para 2007 que nós, CDU, consideramos justas e cuja intervenção do Executivo urge, no sentido da sua resolução.

Falamos, obviamente, e cremos que em uníssono com todos os cidadãos e cidadãs do nosso concelho, da conclusão da rede de saneamento básico e do tratamento de águas residuais. É que, de facto, para além do castelo de quatro torres, o único no país, continuamos a ter em comum com a nossa celebrada Idade Média, o sistema de despejo de esgotos e do seu tratamento: a secular técnica do “água vai”. E se em 2006 já era esta a prioridade das prioridades, para não falar em 1998, data limite apontada pela Comissão Europeia para a conclusão das redes de águas residuais, afinal parece que, como dizia Lampedusa, “tudo mudou para que tudo ficasse na mesma”. 

Mas as Grandes Opções falam-nos da conclusão da rede de saneamento em três anos, rede que cobrirá 70%. E quanto já se disse sobre este assunto, quantas palavras discorridas sobre a água! Esperamos com muita fé que 2007 seja o ano do nosso contentamento, apesar do atraso, e dos grandes custos para a população e para o ambiente.

Dissemos à Câmara Municipal, em Outubro deste ano, que, em matéria de ambiente “a conclusão da rede de abastecimento de água e tratamento de águas residuais, numa perspectiva de serviço público, com preços, taxas e tarifas acessíveis a todos” deveria ser incluída nas GOP. Lamentamos que a parte final tenha sido ignorada, mas sublinhamos como positiva a assumpção do saneamento como prioridade.

Dissemos ainda, nesse mesmo documento, que em matéria de Educação as prioridades deveriam contemplar a substituição e melhoria dos equipamentos da rede escolar de Jardins de Infância e Escolas Básicas do 1º ciclo, que se encontrem desadequadas ao desenvolvimento das aprendizagens e a defesa da manutenção das Escolas EB1 no Município. É pois, com satisfação, que vemos plasmada nas páginas do extenso documento que orientará a acção camarária, uma atenção especial e a dotação de verbas destinadas à reabilitação do parque escolar. Assume o Executivo que há décadas se não mexia no parque escolar do 1º ciclo do ensino básico, sendo este o “parente pobre” do sistema de ensino. Foi, todavia, este o Executivo um dos protagonistas centrais da polémica de encerramento das escolas do concelho, nunca se percebendo, afinal, qual a posição, se de defesa da manutenção das escolas em funcionamento, se a contrária. Foi também este o Executivo que se absteve, durante anos, de efectuar as obras de remodelação, ampliação e adequação das salas de aula às necessidades.

De qualquer modo, o documento é claro: há uma aposta no ensino básico através da construção do Núcleo Escolar do Murado, em Mozelos e das obras de beneficiação e alargamento de escolas na Vergada, em Milheirós de Poiares, Paços de Brandão, Souto, entre outras. E o Executivo decide “apostar no sucesso educativo e dignificar as nossas escolas” e dotá-las de estruturas de apoio, nomeadamente, refeitórios, polivalentes, etc. A CDU está de acordo com esta prioridade. Mas alertamos: as populações têm de estar envolvidas nestas decisões. A Câmara tem de aferir junto da comunidade quais as prioridades e necessidades mais sentidas. Saber se as escolas que irão sofrer intervenções são aquelas que mais necessitam, é uma questão em cuja resposta têm que estar envolvidos os munícipes para que não se repitam os erros aquando da elaboração da actual Carta Educativa, que foi construída à margem dos professores, pais e alunos. 

A acrescer a tudo isto, está o recente anúncio do encerramento de mais 900 escolas EB1 por todo o país. Esperamos que o Executivo defenda, agora, que nem mais uma escola se encerre no nosso Município.

Uma das outras prioridades prende-se com a análise sócio-económica do concelho. Santa Maria da Feira apresenta dos mais elevados níveis de desemprego dos últimos dois anos, desemprego motivado essencialmente pela deslocalização de grandes multinacionais de calçado que originaram despedimentos em grande escala, às vezes denominados de rescisões por mútuo acordo. Independentemente da figura jurídica a que recorreram, o facto é que a população do município apresenta baixíssimos níveis de poder de compra e elevadas taxas de desemprego, nomeadamente entre as mulheres e em idades em que muito dificilmente encontrarão um novo emprego. Acontece também que, atendendo ao facto da indústria ser muito especializada, a grande maioria dos desempregados, hoje, apenas sabem das suas artes e ofícios, normalmente o calçado, a indústria têxtil ou a cortiça, e necessitam de reorientação profissional. Nesta temática, o Executivo percebeu, finalmente, que também tem um papel. O planeamento e planificação das zonas industriais é uma exigência há muito feita pela CDU, que finalmente encontra concretização neste Plano. Mas a Câmara não se pode ficar com medidas paliativas de minimização dos impactos da deslocalização e encerramento de empresas, mas uma política de fixação e atracção de investimentos que criem postos de trabalho fixos e garantam emprego com direitos. Um concelho com um baixo nível de desemprego significará, necessariamente, um concelho económica e socialmente desenvolvido. 

Nesta matéria há uma questão relevante que ficou de fora. Lamentavelmente, no nosso concelho, pelas características da indústria típica deste local, as mulheres são duplamente vítimas dos fenómenos de degradação da qualidade de vida. São-no, porque representam a maioria dos desempregados, são-no, porque sofrem discriminações salariais inaceitáveis (veja-se o caso da cortiça que para trabalho igual o salário da mulher é 100 euros inferior ao do homem, em média, em salários que já são baixos), são-no, porque auferem pensões de reforma que representam cerca de 60% das pensões dos homens (sendo que a pensão média das mulheres é de 259 euros e a dos homens 434 euros), num quadro em que cerca de 83% dos reformados do nosso país vive com reformas inferiores ao salário mínimo nacional. São também as mulheres as principais vítimas de violência doméstica, facto a que não está alheia a sua situação social e as discriminações de que são diariamente vítimas no trabalho, em casa, e até numa lei penal que empurra as mulheres para situações de aborto clandestino e as trata como criminosas. Falta, pois, neste orçamento, uma política que intervenha no atenuar das desigualdades entre mulheres e homens e promova, efectivamente, a igualdade social. E porque não a criação de um prémio municipal a atribuir às empresas que promovam, de facto e de direito, a igualdade?

Em termos de política ambiental, lamentamos que o Executivo tenha perdido a oportunidade de ouro para prosseguir na esteira daquilo que os outros municípios já entenderam. Esperávamos que Santa Maria da Feira não se colocasse, deliberadamente, na última linha. A Grande Área Metropolitana do Porto afirmou, no seu Plano de Actividades, que a solução dos aterros é a solução menos desejável e ambientalmente mais desadequada. Pretende a Junta Metropolitana, estender a política dos 3 R’s – reutilizar, reduzir, reciclar a todos os municípios da área metropolitana. Nesse documento afirmam ainda a importância da triagem dos lixos em casa e da generalização da utilização dos Ecopontos.

Esta Câmara ainda não entendeu e regrediu na sua política: diminuiu os dias de recolha, apontando num sentido completamente divergente das opções da AMP. E neste extenso documento da Câmara, nem uma palavra sobre o aumento da fiscalização ambiental: fossas subdimensionadas, descargas ilegais, depósitos de lixo ilegais são constantes no nosso concelho. Para estas situações reservou-se o silêncio.

Também os transportes vêm evidenciados no documento. Razão para citarmos o documento que enviámos à Câmara, onde propusemos, de acordo com o nosso programa eleitoral, o reforço da frota da rede de transportes municipais, bem como a ampliação de percursos e horários da mesma. Com satisfação vemos este propósito aqui incluído.

E gostaríamos ainda de salientar a criação do Gabinete de Apoio à Saúde Juvenil, porque entendemos que a educação e saúde sexual e reprodutiva e o apoio psicológico são necessidades e direitos fundamentais para o desenvolvimento equilibrado dos jovens, pelo que os Municípios não podem alhear-se de intervir nesta matéria.

A CDU manifesta ainda a sua preocupação com a sucessiva delegação de competências e responsabilidades do poder central nas autarquias, sem a correspondente transferência de verbas. A criação da Rede Social e as competências em matéria de estrangeiros são dois dos exemplos cabais daquelas que são competências que apenas deveriam caber às Autarquias num papel subsidiário àquele que o Estado deve assumir no cumprimento das suas funções sociais. A responsabilização maior do poder autárquico é acompanhada por um estrangulamento da sua autonomia administrativa e financeira, de que a Lei das Finanças Locais é o corolário e sobre a qual uma ampla maioria nesta Assembleia já se pronunciou em sentido desfavorável.

Finalmente, os números.

Rigor orçamental é o mínimo exigido. Bem sabemos que esta Câmara apresenta orçamentos empolados, baseados em receitas de capital que acabam por não se concretizar.

Este ano, estão previstas receitas de capital no valor de 66.376 milhões € e despesas de capital no valor de 67.406 milhões €. Contudo, a comparação que é possível fazer, através da análise das contas de 2005, permite-nos antever um cenário que não é, de todo, desejável.

Em 2005, estavam previstas receitas de capital no valor de 47.539 milhões €. Apenas foram realizados 16.566 milhões €, isto é 34,3%. A parte mais significativa das receitas estava na venda de bens de investimento. As receitas previstas eram de 20.758 milhões de € e apenas se obtiveram 128.363 mil €, isto é, 0,6%. Assim, perante as receitas de capital previstas para 2007, sendo que a “fatia de leão” é precisamente a venda de bens de investimento, questionamos:

Qual o património que a Câmara vai vender e para que fim?

E será esta a melhor solução para obtenção de receitas para o município?

É fundamental que seja um Orçamento realista, exequível e não mais uma promessa vã.

Quando tinha 11 anos, aprendi uma fábula na Academia de Música de Santa Maria da Feira. De composição russa, pelas mãos de Prokofiev, contava-se a estória de um menino, o Pedro, que sistematicamente enganava a aldeia dizendo que o lobo chegava para atacar. Há um dia em que o Pedro, muito assustado, como sempre fingia estar, gritava que o lobo vinha a caminho. Tantas vezes tinha brincado, que já ninguém acreditou. Mas o oboé soou forte na sinfonia. De facto, o lobo estava a chegar para dizimar a aldeia.

Mas como eu não sou o Pedro, porque na CDU não enganamos, nem a Câmara é o lobo, daremos o benefício da dúvida. Pode ser que desta vez haja um orçamento realista e que se cumpra com aquilo que se promete.

Contudo, abster-nos-emos nesta votação. Mesmo não havendo lobos, neste palco, todo o cuidado é pouco.

Disse.