Findamos o ano de 2007. O ano que a Comissão Europeia disse ser o ano europeu da igualdade de oportunidades para todos e todas.

O ano que o povo português conheceu a maior taxa de desemprego dos últimos 20 anos, o ano em que a pobreza aumentou exponencialmente vivendo mais de 2 milhões de portugueses abaixo do limiar da pobreza (1) , o ano em que se encerraram escolas, maternidades, urgências e outros serviços públicos, um ano em que os portugueses vivem pior.

Um ano em que se iniciou o processo de desmantelamento das funções sociais do Estado e da Administração Pública, num caminho de ataque sem precedentes aos seus trabalhadores, trilhando já a primeira fase de privatização do Estado Português, lembrando um poema de Brecht que dizia: "Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora, não contentes, querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence." (2)

Mas 2007 foi o ano de profundas e marcantes contestações sociais. As ruas encheram-se de milhares de trabalhadores e trabalhadoras que hoje intensificam o seu protesto e a sua luta por uma vida melhor, dando-nos a certeza de que é possível e necessária a mudança.

O nosso concelho não foge ao diagnóstico que se repete um pouco por todo o país: é o concelho com mais desemprego do distrito de Aveiro, é dos concelhos com rendimento médio mais baixo, é um concelho ainda sem saneamento, é um concelho com as taxas municipais mais elevadas dos municípios que o circundam, é um concelho ambientalmente em perigo, é um concelho que, afinal, não tem tratado muito bem as suas populações.

2007 foi um ano em que as Câmaras se viram obrigadas a apertar um cinto, já curto,  porque o Partido Socialista entendeu estrangular a autonomia administrativa e financeira do poder local, mas que já concretizou um caldinho com o PSD para ninguém ficar chateado. Afinal, é Natal, e o Governo lá deu o presente da alteração da lei eleitoral das autarquias locais só para o PSD não se aborrecer.

2007 foi um ano em que a Câmara, em relação aos objectivos declarados no fim de 2006, pouco fez, e vem agora repetir prioridades. Como aliás já o tinha feito em 2006 e em 2005.

Em primeiro lugar, e pela primeira vez, a Câmara Municipal introduz as propostas da oposição – já agora, só a CDU e o CDS se pronunciaram, sabemos agora que o PS também, e por isso peço que nos sejam distribuídas as propostas, sendo que o CDS apenas remeteu uma recomendação que já tinha sido discutida e rejeitada por esta Assembleia. O Bloco de Esquerda nada disse, nem aparece nesta Assembleia há três sessões. A Câmara pronuncia-se, assim, pela primeira vez, sobre as propostas que lhe foram remetidas.

Para meu espanto, ao pronunciar-se fá-lo com uma dose inóspita de bom humor! Ao referir-se à recolha do lixo 6 vezes por semana, responde com o aumento da circulação de veículos e o aumento da poluição do ar. Eu pensei que houvesse um engano, era uma resposta anedótica de mais.

Pergunto pois: qual o aumento do número de viaturas necessário? Qual a taxa de emissão de CO2 dessas viaturas para a atmosfera? Qual é a actual taxa de poluição do ar no município? Qual a taxa de aumento representaria essa recolha? Tem este executivo a mesma preocupação com a emissão de poluentes com as empresas e o parque automóvel? Se sim, porque é que não aposta nos transportes municipais? Se sim, porque não defende a requalificação da linha do Vale do Vouga? Sabe esta câmara da existência de veículos não poluentes? Sabe esta Câmara dos Fundos Europeus criados em 2001 para aquisição frotas de viaturas não poluentes, inclusive com redução de impostos?
Remata ainda a sua brilhante justificação com as melhores práticas mundiais da recolha de lixo: que práticas? Como é a recolha de lixo na Suécia? Em Espanha? Na Venezuela? No Cazaquistão? Esta câmara continua a brindar-nos com verdadeiras pérolas apenas para justificar aquilo que politicamente não quer assumir.

Mas o importante é que deram a conhecer as propostas, concordando, aliás, com muitas das propostas da CDU, e esta é uma boa prática democrática.

Nas propostas para 2008, repetem as novas velhas prioridades: a educação e o ambiente.

EDUCAÇÃO

Em 2007 prometiam a construção do Núcleo Escolar do Murado, em Mozelos e obras de beneficiação e alargamento de escolas na Vergada, em Milheirós de Poiares, Paços de Brandão, Souto, entre outras.

Em 2008 ainda está em construção o Núcleo Escolar do Murado, e prevê-se a construção de dois novos Núcleos Escolares -  Chão do Monte e Centro Escolar de Santo António.

Ora, em primeiro lugar, a Câmara faz depender este eixo estruturante do seu plano dos Fundos que serão atribuídos pelo QREN. Sabemos que a primeira área de atribuição de fundos é o 1º ciclo do ensino básico. Perguntamos ao executivo, pois, como fará então as respectivas candidaturas? De acordo com a informação da Junta Metropolitana do Porto, estão previstas duas alternativas – candidaturas exclusivamente municipais, ou uma candidatura metropolitana em que alguém, que não sabemos quem, definirá os critérios de prioridade e apresenta-se uma candidatura referente a toda a área metropolitana. Qual é, pois, a opção desta Câmara?

Vem ainda a Câmara dar uma nota negativa ao processo de candidaturas ao QREN. De facto, o financiamento deveria ter sido atribuído em Janeiro de 2007, e hoje, em Dezembro, ainda nem uma candidatura foi possível apresentar. Mas a Câmara não exigiu uma discussão mais ampla, a Câmara não criticou publicamente em momento anterior, não venha a Câmara agora encontrar pretextos para a não conclusão de obras de reparação nas escolas e de construção de novas escolas. Estas obras são já urgentes há muitos anos.

Contudo, esta Câmara preferiu fazer uma Carta Educativa à pressa, um documento que deveria ser estruturante e definir claramente as prioridades educativas deste concelho, prioridades que vêm sendo agora definidas ao sabor daquilo que a União Europeia nos der.

Relembramos também o executivo que a questão das coberturas de amianto foi já levantada há muito pelo Partido Ecologista Os Verdes que, tendo questionado o Governo, obteve uma resposta que confirma a preocupação e a necessidade quer da análise das consequências quer da substituição deste material.

Contudo, não deixa de ser curioso que, sendo a prioridade a educação, se gaste, por exemplo mais dinheiro em higiene os departamentos da câmara (cerca de 180 mil euros) e às salas do 1º ciclo em todo o município se destine uma verba 4 vezes inferior – 46 500 euros para 465 salas, o que significa oito a dez mil alunos. Mais se estranha que apenas se tenha atribuído o montante de cerca de 200 euros anuais para o funcionamento de cada sala.

AMBIENTE

Quanto ao ambiente, fica a sempre renovada promessa: o saneamento é já para o ano! Entretanto, aumentam as taxas, aumenta a poluição, aumenta também a construção de fogos habitacionais, como por exemplo na freguesia de Fornos, em locais onde a fase de construção é ainda incipiente – veja-se o caso da Ribeira da Lage ou da Ribeira da Lavandeira, mais conhecida como Rio Caster.

Quanto ao lixo, a Câmara esqueceu-se de referir o que acontecerá às taxas que os munícipes vão pagar pelo tratamento de resíduos sólidos e urbanos. De má opção em má opção até à degradação ambiental total: se um aterro chateia muita gente, um novo aterro chateará muito mais.

A solução, como desde sempre temos vindo a defender, é a triagem e separação no domicílio, e uma recolha que se compadeça com este método, a par com a adopção dos CIRVER – Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos. Adoptando estes métodos, verdadeiras soluções de futuro, aumenta a reutilização, aumenta a reciclagem, protege-se o ambiente.

Mas a Câmara da Feira prefere aterrar lixos e aumentar as taxas, como já referiu o Sr. Presidente, que poderiam eventualmente triplicar.

ACÇÃO SOCIAL

Um dos eixos que consideramos estruturantes para uma política justa e solidária é a política social. Neste âmbito, o Executivo tem levado a cabo projectos interessantes, inovadores, nomeadamente no que diz respeito à integração de famílias que vivam em contextos de violência doméstica ou comportamentos delinquentes. Contudo, a vertente de acção sobre as causas tem deixado muito a desejar.

Em Outubro de 2007, 5700 pessoas estavam inscritas no Centro de Emprego, o que significa, desde logo, que o desemprego é maior. 66% dos desempregados eram mulheres. 53% estão inscritos há mais de um ano. 92,3% procuram um novo emprego. 44,8% têm entre 35 a 54 anos, o que significa que a possibilidade de encontrarem um novo emprego é muito mais difícil. 40,9% apenas têm o 1º ciclo do Ensino Básico. Apenas conseguiram colocação, em Outubro, 28 pessoas. E apesar do desemprego feminino ser muito superior, 64,3% dos colocados eram homens.(3)

Este retrato social denuncia as debilidades e injustiças de uma política nacional, mas também que as políticas desta Câmara apenas estão a servir como paliativos, acabando por servir como engenharia numérica, retirando inscrições ao Centro de Emprego, mas mantendo as situações de desemprego e exclusão social.

Talvez seja 2008 o ano em que o Executivo afirmará, ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras, que está contra o encerramento de empresas, que está contra a forma como a empresa Rohde e as grandes empresas corticeiras têm tratado os seus funcionários, ameaçando-os inclusive da retirada de direitos adquiridos como o direito a férias ou subsídio de Natal, talvez seja o ano em que o Executivo defenderá o investimento no Município com respeito pelos direitos dos trabalhadores, por exemplo cm a devida requalificação e planificação das zonas industriais. Ou talvez seja um ano em que nada diz, como todos os outros.

TRANSPORTES

Quanto aos transportes, o Transfeira continua desadequado às necessidades dos feirenses. Se a Câmara está tão preocupada com a poluição do ar, aposte pois nos transportes públicos, no seu reforço e na melhoria dos percursos e horários, permitindo uma mobilidade mais rápida e financeiramente acessível a todos.

Assinalam a comemoração dos 100 anos linha do Vale do Vouga depois do PSD ter votado contra uma moção de requalificação desta linha. Fazer festas de 500 anos é já tradição desta Câmara. Talvez seja altura de apostar no futuro e deixar de reviver o passado.

ORÇAMENTO

Finalmente, o orçamento.

Previsto um orçamento de cerca de 109 milhões, este representa um decréscimo de 3,19%. No orçamento da despesa, o decréscimo é de quase 8%, sendo que as áreas onde a variação é maior, são precisamente as áreas identificadas pelo município como prioridade. Assim, em relação ao previsto em 2007, a despesa no Departamento de Urbanismo é inferior em 14,44%, no Departamento de Ambiente é inferior em 2,4%, na Divisão de Juventude e Desporto a despesa diminui em 15,04% e na Divisão de Acção Social em 13,39%.

A previsão das receitas de capital é de cerca de 62 milhões, mas em 2006, o grau de execução foi de 27% e na venda de bens imóveis apenas 1,7% foi realizado. Já a execução das receitas correntes foi de 98% - com um elevado grau de realização relativamente ao IMI – 141%, ao IMV – 164% e ao IMT – 128%.

Quanto à execução do orçamento da despesa, a sua execução atingiu um grau de realização de apenas 55,6% nas obras municipais.

Esta prática tem sido corrente, demonstrando que os orçamentos camarários são virtuais, e o que se promete fica muito aquém daquilo que se faz.

Dizia Brecht que “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguer, do sapato e do remédio  dependem das decisões políticas.” Dizia Brecht que é da ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político lacaio dos exploradores do povo.(4)

A sucessiva desresponsabilização e adopção de más políticas tem resultado num país e num concelho mais pobre, com mais dificuldades, com mais desemprego e exclusão social. O povo tem sufragado e dado confiança a este executivo. Que seja, pois, 2008 o ano em que o executivo honra quem o elegeu.

Porque apesar de tudo “é em frente que vamos, não é verdade? É em frente que vamos”. (5)

Disse

 

(1) Fonte: Instituto Nacional de Estatística – Destaque de 15 de Outubro de 2007
(2) Do poema “Privatizado”
(3) Fonte: estatísticas mensais concelhias do Instituto do Emprego e Formação Profissional
(4) Excerto do poema “O analfabeto político”
(5) De um poema de Nazim Hikmet