“No lixo, procuram-se alimentos. A mãe tem a ajuda da pequena filha. Encontram um rádio e ficam contentes. E quem passa não percebe. Procuravam comida e aquilo, o que elas encontram, não se come. Mas o certo é que, como se levassem um banquete escondido debaixo da roupa, a mãe e a menina fugiram dali, muito rápido”.

 Este é um texto de um autor português, Gonçalo M. Tavares. Chama-se Lixo. Como alguns têm insistido em chamar ao nosso País. Como alguns dizem que é o que nós, portugueses, somos, porque não nos enquadramos nas percentagens que esses determinam.

 E desse “lixo” nasce a austeridade. “Há que continuar a pedir sacrifícios a todos”. Dizia Salazar, repete Passos Coelho. Numa deriva austera de autoritarismo, são cerceadas liberdades, direitos em nome de um pacto que agride todos os portugueses, mas, como sempre, particularmente os mais pobres. Nunca este país viu tantos desempregados. Mais de metade sem subsídio. As crianças perdem o abono de família. Os salários descem e dos direitos pelos quais muitos morreram, morrem agora com a memória de lutas sangrentas. Lutas por 8 horas de trabalho, lutas pela dignidade do ser humano. Tudo isto é a moeda de troca para que PSD e CDS prossigam na senda revanchista de ajustar contas com o passado, com a Constituição e com os trabalhadores.

 

No nosso distrito, as promessas feitas, uma a uma, esboroaram-se e são notícias. A Nissan afinal não vem para Aveiro. A Linha do Vale do Vouga vai encerrar. A Rohde encerrou e a Comissão Europeia libertou uns tostões para “ajudar” quem dedicou a sua vida, muitos a sua infância àquela fábrica. E a prometida delegação do centro de emprego a inaugurar no mês de Abril que nunca mais chega. Ali jazem os despojos de uma das maiores fábricas de calçado do nosso pais, com o seu nome ainda em letras garrafais.

 Nós, por cá, temos 8880 desempregados registados em Novembro. Elas, mais uma vez e como sempre, são a maioria – 5188 - representando 58,4%. Os problemas sociais aumentam exponencialmente. as poucas fábricas que existem encerram. Enquanto outras são consumidas pelo gigante da cortiça a quem os chamados partidos do arco do poder beijam a mão. Por todo lado temos um cerco de portagens no concelho  ao qual os feirenses já não podem pagar, devido à falta de alternativas e necessidade de procura emprego nos extremos do Distrito. O custo da água sempre a aumentar. Saneamento sempre prometido, sempre adiado. Um executivo que, relembro e sublinho, foi nos últimos anos profundamente crítico dos cortes orçamentais. Mas este ano, com o rabo entre as pernas, apenas se diz “fortemente constrangido”. Constrangido pela submissão aos ditames da troika que rouba salários, pensões, subsídios de férias e de natal, sem vergonha e sem punição. “Ao que tem fome e te rouba o último pedaço de pão, chamas-lhe teu inimigo. Mas não saltas ao pescoço do teu ladrão que nunca teve fome.”

 Este executivo não é, não pode ser, desresponsabilizado do que se está a passar. Os seus representantes são dirigentes políticos do PSD e não se ouve por aí que discordem destas políticas.

 Não é tempo de ser brando com quem nos empobrece a cada dia que passa. Não é tempo de dar margem a quem rouba aquilo pelo que se lutou toda uma vida. E se antes este Executivo era profundamente crítico, como o era há um ano, deveria ser coerente, manter e reforçar essa crítica. Mas não pode. Porque é cúmplice. E porque concorda hoje com aquilo que ontem discordava.

 Na verdade, o panorama dificilmente podia ser pior. Sobretudo porque contrasta, e muito, com as mil promessas da campanha eleitoral. À época não faltavam os slogans, o dinheiro, as primeiras pedras e as palavras incentivadoras ao voto: criação/abertura de novos centros escolares, saneamento básico e ligação à rede de água para todos, defesa do meio ambiente. Cedo se percebeu que a realidade objectiva actual do Município feirense prova à saciedade que os seus problemas estruturais não só não foram resolvidos nem atenuados neste período, como se agravaram substancialmente.

 Mas daqui, em relação aos documentos distribuídos, a primeira palavra é de reconhecimento. Reconhecimento do trabalho da Divisão Social. Dos esforços incansáveis de equipas de técnicos que dão o melhor de si. No espaço Trevo, na Alpe, no Centro Local de Apoio à Integração de Imigrantes, no Gabinete de Inserção Profissional (e no compromisso que a Câmara assumiu e batalhou para manter), nas iniciativas de teatro comunitário e político, no Ponto P, no Direitos e Desafios, entre outros. Um olhar atento aos projectos de combate à pobreza nos idosos, à criação da bolsa de arrendamento solidário, do gabinete de apoio ao desemprego involuntário e à implementação dos gabinetes para a igualdade entre mulheres e homens, com a respectiva formação aos vários agentes e educadores, o apoio aos cuidadores. Não pode a CDU ser alheia a estes projectos, ao resultado e acção concreta que tem na vida dos munícipes e que não podemos deixar de enfatizar a sua importância e desejar a sua continuidade e aprofundamento.

 Mas não podemos esconder que uma gestão coerente, com prioridades assumidas e concretizadas, teria tido hoje resultados diferentes. Diferentes porque em termos de planeamento e ordenamento do território, ano após ano, temos um Plano Director Municipal (o novo nunca mais vê a luz do dia) e o cadastro do parque industrial por actualizar. Não há qualquer apoio à fixação da indústria, aos pequenos e médios empresários e todo o investimento no Município acaba por ser um prejuízo. A redução do IMI, que é dos mais altos dos municípios que nos rodeiam, o abandono da criação de zonas industriais devidamente planeadas, o abandono no investimento nos transportes e mobilidade dentro do concelho e para fora dele. Tudo resultado de prioridades erradas e de um esbanjar de décadas em propaganda, pão e circo que nos trouxeram até aqui.

 Não podemos deixar de concordar com reparos e propostas feitas por vereadores do PS na discussão deste Orçamento – a centralização do atendimento ao munícipe é fundamental e pouparia, certamente, recursos à autarquia e aos cidadãos. Não podemos deixar de concordar com que foi afirmado relativamente às politicas de Juventude, alerta que temos vindo a deixar há anos nesta Assembleia - o desemprego entre os jovens ultrapassa os 20%. As jovens mulheres são as mais atingidas. Perante isto não existe qualquer estratégia da Câmara para fixar a população jovem no concelho – não há políticas de habitação, de emprego, de associativismo, politicas juvenis transversais que invistam nas novas gerações. É verdade que já mandaram os jovens emigrar. Não só o PSD e o CDS não nos querem no concelho, como não nos querem no país. Este país, não é para velhos, não é para jovens, não é para professores. Qualquer dia, não é para ninguém.

 Não podemos ainda deixar de concordar com o reparo do Sr. Vereador Sérgio Cirino, que reflecte o que há muito a CDU tem vindo a defender: a reabilitação e investimento no Mercado Municipal e nas feiras, com condições para os feirantes (nomeadamente a feira dos 20) e com espaços condignos. É bem verdade que para muitos, será o único sítio onde poderão adquirir os bens essenciais.

 E não podemos deixar de denunciar o desrespeito pelas decisões democraticamente tomadas nesta assembleia: não foi criada a comissão de acompanhamento do aterro. Em relação às pedreiras, só a condenação da Comissão Europeia em virtude de uma queixa da CDU fez avançar a criação de uma comissão de acompanhamento. Alertámos para a reorganização administrativa e para a ausência de debate, assunto que para o Executivo não era prioritário mas que atabalhoadamente vem agora o PSD querer fingir que democratiza o processo, que há muito já está decidido nos gabinetes ministeriais.

 Os nossos rios continuam sem qualquer intervenção despoluidora, constituindo-se o Uíma, o Inha, o Riomaior, a Lage e o Caster como sendo verdadeiros pontos negros ambientais. A total falta de políticas promotoras de melhor ambiente teve o seu auge num retrocesso civilizacional que foi a diminuição da frequência da recolha do lixo, facto que provocou o aumento de lixeiras a céu aberto nas diversas freguesias, para o qual a Câmara não encontra solução há quatro anos, mesmo quando os sacos do lixo invadem os passeios, sem incentivo à separação e recolha diferenciada dos lixos, como foi já denunciado e comprovado pela CDU em visita a vários locais do concelho.

 O Saneamento. Tão falado, tão prometido, tão adiado. As etar que serão sempre para o ano. A conclusão que há anos ouvimos. É para o ano. Recordo-me da primeira intervenção feita por mim nesta Assembleia sobre o Orçamento, nos idos de 2005 em que afirmei que o saneamento estava para a Feira, como o campeonato para o Sporting. Nem o Sporting ganhou, nem o saneamento está concluído. E, entretanto, faz-se tábua rasa de decisões de Tribunais (a que já nos habituou este executivo a achar que o poder judicial não deve ser respeitado) e recomendações da ERSAR. Sr. Presidente – se o tribunal e a ERSAR dizem que a ligação aos ramais não deve ser suportada pelos cidadãos quem é o Sr. Presidente para decidir que são os cidadãos que vão pagar através do aumento dos preços? Que democracia é esta?

 A água está mais cara, os transportes estão mais caros, a rede de transportes Transfeira é altamente deficitária nos percursos e horários, as acessibilidades para cidadãos com mobilidade reduzida permanecem inexistentes, a rede rodoviária está obsoleta e perigosa, as escolas em condições precárias com contentores permanentes, continuamos com centros escolares e jardins de infância, como o de  Fornos, onde ainda se mantêm coberturas em amianto, permanecemos numa terra que se deixa ficar para trás.

 A crise, madrasta,  tem responsáveis: PS, PSD e CDS, com as suas sucessivas políticas de destruição do Estado Social e do Estado de Direito Democrático.

 Mas o povo não vai capitular. Não aceitamos estas politicas. As manifestações sucedem-se, a Greve Geral de 24 de Novembro foi significativa em muitos sectores no nosso concelho. Os senhores não podem continuar a fazer com que o povo, principalmente o mais necessitado, continue a pagar pelos vossos erros. Assumam aquilo que é da vossa responsabilidade, o que prometeram a quem acreditou nas vossas promessas, e reponham o respeito que se vai perdendo pela classe política, porque são estes os parcos exemplos que se vão tendo: promessas e slogans, num dia a dia que só piora para quem já muito sofre.

 Se Santa Maria da Feira é uma centralidade, o executivo que a transforme na sua prioridade. Para a servir. E não para se servir dela.