Realizamos esta Assembleia Municipal numa altura em que, graças às exigências do momento – a “crise”, dama de tão largas costas, mas que não é senão o resultado de políticas e opções objectivas que não nos cansámos de denunciar – , aquelas bandeiras de campanha que esta Câmara vinha acenando se esfumam, uma após a outra, como os adereços de uma Cinderela, chegada a meia-noite do fim do baile. Não o afirmamos com particular satisfação: ao contrário do que querem alguns, não nos cabe vestir a pele do profeta agoirento que se compraz na desgraça comum, mas a verdade é que alguns dos colapsos a que temos assistido eram quase profecias que se auto-cumprem, de tão evidentes se vinham tornando. E perdeu-se tempo, perderam-se oportunidades, e, sobretudo, perdeu-se a possibilidade de criar valor no município  – valor que permanecesse.

O primeiro caso é o da Escola de Hotelaria e Turismo. Um projecto de referência a nível nacional e internacional, com padrões de qualidade formativa reconhecidos unanimemente, que se encontra na iminência de fechar portas. Alguns poderão alegar que a manutenção do capital humano, com a transferência para as instalações da cidade do Porto, não coloca em causa o espírito do projecto, mas eu gostaria de sublinhar daqui o valor desta Escola enquanto caso de sucesso de integração no tecido social e económico envolvente, aos níveis local e regional. As mais valias que a Escola de Hotelaria e Turismo traz à cidade e ao município são insubstituíveis, e vão da dinamização do sector do arrendamento imobiliário para estudantes à cativação de massa crítica para o nosso território, passando pela projecção do nome da cidade no exterior, pelo estímulo do sector da restauração na cidade, ou pelo modelo bem conseguido de descentralização de ofertas formativas de excelência, que, em vez de liminarmente destruído, deveria ser preservado e multiplicado. Trata-se, de facto, de um apital de know how de importância estratégica para a região de Entre-Douro-eVouga, que não pode ser assim colocado em causa ao sabor das políticas discricionárias deste governo. O país e a região têm muito, têm demasiado a perder. Infelizmente, a Escola de Hotalaria e Turismo nunca foi devidamente acarinhada pelos órgãos de poder, que em nenhum momento consideraram investir no aumento da visibilidade deste projecto-âncora, talvez por nunca terem compreendido a enorme importância de que se reveste.

Ainda assim, gostaria de perguntar ao Executivo qual o destino dado ao projecto da nova Escola de Hotelaria e Turismo de Santa Maria da Feira, anunciada pelo Ministério da Economia e da Inovação em Setembro de 2009 como uma iniciativa conjunta do Turismo de Portugal e da autarquia, que contava já, era então divulgado em comunicado oficial, com um projecto da autoria da arquitecta da Câmara Municipal, e tinha abertura prevista para o ano lectivo 2010/2011?

A segunda contracção violenta vem-nos do Centro de Criação de Teatro e Artes de Rua (cujo nome  “Caixa Mágica” ganha, agora, uma involuntária carga simbólica...). Pelos vistos, a arte de embandeirar em haste e depois engavetar haste e bandeira continua a ser prática deste Executivo. Não iremos, porém, criticar a Câmara por este retrocesso da  decisão que já parecia tomada  – de facto, sempre nos pareceu pouco sensata a escala a que se projectava o CCTAR, sobretudo levando em consideração os atrasos estruturais de que padece o município, nomeadamente, as carências de financiamento que afectam o movimento associativo. A solução que agora é equacionada, dita “minimalista”, parece, com efeito, mais racional, mas sobram dúvidas para as quais gostaríamos de ouvir algumas respostas: o que será feito, agora, das pedreiras abandonadas em pleno centro da cidade? e em que condições se irá manter o Cineteatro António Lamoso? Será esta a oportunidade para uma tão merecida e aguardada intervenção de requalificação? E a Escola? Que projectos?

Em terceiro lugar, trazemos a esta Assembleia, com a maior apreensão, a anunciada possibilidade de privatização do Centro Infantil de Santa Maria da Feira. Que não haja dúvidas quanto a isto: estamos perante mais uma vítima da política liquidatária deste governo PSD/CDS-PP. Mas as famílias e as crianças não podem ser sacrificadas em nome de uma hierarquia de valores políticos inteiramente absurda, e, também aqui, sobram incertezas quanto ao futuro que gostaríamos de ver respondidas. Em caso de privatização:

a) quais as futuras condições e critérios de acesso?

b) qual o projecto educativo a implantar?

c) que garantia de manutenção de políticas inclusivas?

d) que garantia de qualidade do serviço prestado?

 

A justificar este golpe, o já estafado argumento economicista. Um argumento, porém, facilmente rebatível: o estatuto público impõe transparência, os critérios de gestão e administração são universais e podem ser consultados por qualquer cidadão. Já do privado  o mesmo  não se poderá dizer. Além disto, o serviço público salvaguarda o interesse público. O privado só pode salvaguardar os interesses de alguns. Vale a pena perguntar, ainda, onde pára o projecto de construção de um berçário e jardim infantil a ser implantado em Vinhais, nas traseiras da Quinta do Castelo. Será que também isso não passou de uma miragem eleitoral?

Em síntese: assistimos, agora, a um verdadeiro plano de saneamento de projectos. E se fazemos questão de o destacar, insisto, não é pelo culto da crítica gratuita: em boa hora manifestámos a nossa oposição a “projectos-bandeira” de oportunidade muito questionável, apontando outros caminhos, baseados no envolvimento da população nos sectores estratégicos do desenvolvimento local, na afectação de investimento a áreas prioritárias como o apoio social, a educação, a cultura e o desporto, em moldes sustentados e continuados. São  tempos como este que vêm tornar ainda mais evidente de que lado esteve a razão.

E, por falar em saneamento, fazemos questão de assinalar uma vez mais que vários munícipes, com as suas habitações devidamente licenciadas, em tempos aconselhados pela Câmara a construir fossa e poço nos termos da lei, não compreendem que venham agora exigir deles o pagamento de um serviço do qual não usufruem, quando, por incúria e inegável atraso desta Câmara, foram obrigados, há décadas, a realizar investimento em alternativas ao saneamento. Daqui reafirmamos a nossa solidariedade para com os munícipes que se sentem vítimas de uma injustiça que decorre única e exclusivamente de opções políticas da Câmara PSD.

Não queremos deixar também de manifestar a nossa perplexidade pelo modo como tem sido gerido o processo de instalação do aterro sanitário no concelho: a Câmara tinha e tem o dever de informar os munícipes sobre a tramitação do processo. Com mais propriedade ainda, os munícipes que irão ser afectados. Até ao momento, tudo se negoceia no silêncio dos gabinetes como se não se tratasse de um processo de importância pública, e lamentamos que os canedenses tenham tomado conhecimento da abertura de concurso público pelos jornais. Há um dever de transparência que não está a ser observado. 

Por último, uma palavra de regozijo para o estudo elaborado por  Álvaro Costa, investigador da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, onde se comprova – uma vez mais  – a viabilidade e potencial da Linha do Vale do Vouga. Poderíamos apenas dizer que nunca é tarde para ter razão, mas preferimos, em vez disso, reafirmar a nossa vontade de defender os  interesses da população, agora que é reconhecida a petinência e o valor desta luta onde, durante tempo demais, parecíamos estar sozinhos a clamar no deserto.